Epígrafe do livro Estórias abensonhadas, de Mia Couto.
Estas histórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos as armas tinham vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos me surgiram entre as margens da mágoa e da esperança. Depois da guerra, pensava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo. Tudo pensado, definitivo e sem reparo.
Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu semente, sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais inacessível de nós, lá onde a violência não podia golpear, lá onde a barbárie não tinha acesso. Em todo esse tempo, a terra guardou, inteiras, as suas vozes. Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram lunares.
Estas histórias falam desse território onde nos vamos refazendo e vamos molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual, assim: fingindo que está, sonhando que vai, inventando que volta.
(COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. 7. ed. Lisboa: Caminho, 2003, p.7)
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Registramos a informação de que, em 04/10/1992, em Roma, foi assinado o Acordo Geral de Paz, pelo presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, e pelo presidente da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), Afonso Dhlakama. O acordo encerrou a guerra civil que o país atravessou entre 1976 e 1992. Igualmente, nesse ano, as chuvas retornavam ao centro-sul do país após o que é considerado um dos mais longos e devastadores períodos de seca no país. A primeira edição do livro ocorreu em 1984.
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